O que é bom para os outros pode não ser bom para você

            Nós vivemos em uma realidade onde o aspecto social é uma das vertentes mais importantes do ser humano. Ora, quem nunca sentiu uma necessidade absurda de se encaixar em algo: um grupo, uma profissão, uma paixão?
            Estamos o tempo todo tentando nos enquadrar nos mais diversos aspectos. Queremos seguir nossos sonhos mas também queremos alguém para nos acompanhar. Queremos ser nós mesmos, cheios de personalidade, mas também queremos viver como o restante da sociedade, nos modelos tradicionais, possuindo os mesmos horários de trabalho, os mesmos lazeres de fim de semana e os mesmos desejos por liberdade.
            E é aí que está. Como ser você mesmo e ao mesmo tempo se encaixar em algum grupo? Como viver nossos sonhos se eles estão à quilômetros de distância de ser iguais ao das outras pessoas?

Se frustrar aos vinte e poucos não é o fim do mundo

Mas parece.
Principalmente porque vivemos em um mundo de grandes celebridades que ganharam a vida muito antes dos 18 anos. Então, chegar próximo à essa realidade – bem irreal para a maior parte da população – é a maior ambição dos jovens de hoje.
Nós, de vinte e tantos, vivemos na chamada geração Y, caracterizada pela pressa em querer tudo para ontem e em conquistar o máximo de sucesso profissional o quanto antes. Mas calma lá. Isso não parece estranho, agora que colocamos no papel?
Vejamos nossos pais, pelo menos os meus. Começaram a trabalhar muito cedo, em qualquer coisa que fosse possível. Demorou anos para construírem seus “impérios” (vamos chamar assim estabilidade financeira, casa própria e condições de criar os filhos).
E agora queremos tudo antes de chegar aos 20. Mas, quando chegamos – e passamos – e vemos que tudo está cada vez mais distante, nos sentimos frustrados e um fracasso total. Parece não haver solução e estamos cada dia mais velhos para conquistar o mundo.
Nossos pais achariam isso um absurdo. Pois ainda temos toda a vida pela frente e, qualquer besteira, pode ser consertada a tempo. Já meti os pés pela mãos várias vezes e agi como se o mundo fosse acabar se eu não fizesse tudo como mandava o figurino: comecei a faculdade aos 17 anos e achei que, com 20, estaria com passe livre para o sucesso profissional e a vida dos meus sonhos.
BULLSHIT!

Essa dor não é minha

Ao longo da minha vida tentaram me atribuir várias dores. Deixe-me explicar. Certa vez li que a dor não é sentida sozinha. Concordo. Acho que, para muitos, a dor é algo tão inadmissível que não pode ficar dentro da gente, ou seja, precisamos passar adiante.
Passar a dor adiante significa forçar outras pessoas a aceitá-la. Parece loucura, não é mesmo? Não podemos sentir uma dor que não é nossa!
Pois veja bem. Quando adolescente, enfrentei muitas dores que não eram minhas. Aliás, eu nem tinha mágoas na minha vida, sempre fui uma criança feliz e amada. Mas não era assim com todo mundo. Quantas crianças e adolescentes não descontavam suas frustrações nos outros? Quantos não praticavam bullying, agressões e tantos outros insultos unicamente porque estavam tristes?
Aquela dor, nascida em casa, precisava ser imediatamente repassada. Oras, eu, como inúmeros adolescentes por aí, nunca havia feito nada de mal. Então por que era vítima de tanto desafeto na escola?
Simples. Porque algumas pessoas precisavam repassar a sua dor. Na época eu não entendia. Achava que o problema era eu. Mas hoje eu compreendo: aquela dor nunca foi minha.

Conto - Velhas cicatrizes

Adam se sentia estranho. Acordou como de praxe: sonolento, cansado e com vontade de um bom café. Mas alguma coisa parecia diferente. Sentia-se mais... preguiçoso.
Espreguiçou-se com os olhos fechados, espalhando- se na cama. Quando os abriu, contudo, não pode acreditar no que via. Será que ainda estava sonhando, como naqueles sonhos duplos?
Seus braços estavam rechonchudos de novo, iguais a quando ainda não fazia academia. Suas pernas estavam menores, não em largura, mas sim em... comprimento? Estava mais baixo?
Levantou-se num pulo, atônito e confuso, sem fazer a menor ideia do que ocorria. Quando se olhou no espelho, a surpresa foi ainda maior: a imagem refletida não era a sua, mas sim daquele garoto de dezesseis anos, o velho e adolescente Adam.
“Que diabos?!”
Não demorou muito para sua mãe surgir na porta, apressando-o de forma enérgica:
— Vamos, Adam! Está atrasado! Nem se vestiu ainda? Não vou mais te dar carona se você continuar a me atrasar todos os dias!
Adam arregalou os olhos, contemplando a aparência ainda jovem da mãe. Como havia mudado nesses dez anos! E que estranho era vê-la dessa forma, como se o tempo tivesse enlouquecido e ele já tivesse perdido qualquer resquício de racionalidade.
Obedeceu calado, vestindo o uniforme com agilidade, enfiando algumas bisnaguinhas recheadas com requeijão na boca e jogando a mochila nas costas. Ah, aquela mochila! Há quanto tempo não a via... Tocou os cadernos, o estojo, a calculadora. Seu dedo sensibilizou-se ao toque áspero, parecia tão real como qualquer coisa normal do dia a dia. Dessa forma, jamais saberia se era ou não um sonho.
Em poucos minutos desceu do carro da mãe, em frente à Escola Estadual Aluísio Azevedo. O imponente prédio cinza, com aspecto de abandono mesclado à filme de terror, com todas suas pichações de mau gosto, sua sujeira e frieza. Continuava não sendo nem um pouco convidativo.
“Esse maldito colégio de novo”, sibilou entre dentes. Sem alternativas, desferiu um beijo na bochecha da mãe e dirigiu-se a prisão disfarçada. Quem visse Adam de fora, contudo, notava nítidas diferenças se comparadas ao mesmo Adam que adentrara a escola no dia anterior: suas passadas eram firmes, sua postura era rígida e inflexível. Não havia sinais de medo, apenas de certo desconforto. Como alguém que acabara de chupar uma fruta azeda demais.

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Criado por: Andréa Bistafa.
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